Onde limite é a virgula e não o ponto.


Ponto Azul - PARTE 3 - (Um Pálido Ponto Azul) -

19/06/2014 15:32

 

Um Pálido Ponto Azul
 
Em 1990, uma das imagens que retornou da “Voyager 1”, mostra a Terra a 6,4 bilhões de quilômetros de distância. Carl Sagan escreveu “Um Pálido Ponto Azul ”. E confronta a pretensa importância que nossa espécie dá a si mesma. E todos os absurdos que cometemos em nome de nossas religiões, doutrinas e ideologias. Os rios de sangue derramados por vaidade e ambição.
O egoísmo é um cego vaidoso.
 
Lembro-me de nós agora, visto pelos olhos daquela fotografia...
 
“Todo ser humano que vive ou já viveu um dia, morou ou mora neste ermo e pálido ponto azul... O conjunto de nossa alegria e sofrimento...”.
 
É um exercício de humildade, habitar este minúsculo planeta.
É sobre-humana a dinâmica de procurar-nos nas infinitas estrelas. Tamanha a vastidão do universo frente a nossa pequenez.
E exercitando uma reverência sobre-humana, abro meus olhos novamente. E agradeço aos céus por estar ali. Cada ínfima molécula do meu corpo está biologicamente conectada a este pálido ponto azul. Assim como tu também estás. Intimamente ligados somos a outras estrelas e ao planeta.
 
Nasci na Terra, vim da terra...
Morrerei na Terra, voltarei à terra...
Ergui-me do pó de estrelas caídas do céu; estrela cadente...
E voltarei um dia para lá...
Voltaremos tu e eu... E todos os tolos e sábios...
Para esta borra de café onde ocupamos o espaço...
Consigo nos enxergar brilhando lado a lado...
 
Existe congruência entre os céus. É uma ordem natural. Além de qualquer compreensão intelectual. Tu e eu somos somente sementes. Mas se somos e estamos, podemos pressentir o incomensurável nascer do amor.
 
Amo-te, minha estrela...
 
D´alma, ascendo a radiação que urge do meu Sol. Não importa os cimentos nos muros do mundo. Nada impede a passagem deste sentimento.
E meus pés estão confortáveis, mesmo sem assentir o grama da verdade.
Levanto os braços. Confronto minhas mãos abertas contra o sol que arde no horizonte. É minha última vez neste sonho. Movimento os dedos entre as paisagens encarnadas naquele palco celeste. Entre eles, irradiam fachos de esperança...
É animando este teatro das mãos que vou dispersando as sombras. As assombrosas dúvidas. Somos tu e eu... Um nada insignificante que se encontrou em um ermo planeta. Estamos sozinhos. Habitamos este pálido ponto azul. Enclausurados em um corpo, que teima em conter nossa imaginação. E que nos engana com suas falsas expectativas de felicidade. Que nos ludibria com sua pretensa importância. Seus padrões repetitivos em busca de conforto e poder. Corpo que levanta muitas vezes nu de alma. Repetindo os padrões das segundas-feiras. Deixando-nos de lado.
Sequestrados de tempo e vontade. Não encaramos as borras. As portas que nos despertariam para a consciência. De que são diferentes as xícaras nas infinitas dimensões possíveis.
 
Mesmo assim...
 
Mesmo sendo humanos, imperfeitos, desprezíveis. 
Amo-te. E tu a mim.
 
E isto faz toda a diferença... A presença...
Para nós. Para o planeta. Para o Universo. Pois somos prova que o amor existe. E ele nos transcende. Transborda e liberta. Ensina.
 
Nossa sina é aprender...
Estamos a mando do amor...
Amando...
 
Levei minhas mãos ao rosto. Tapei os olhos, o nariz e a boca. Apertei para ver se eu ainda existia... Estou aqui. Tu estás em mim. Meus ouvidos ainda escutam o alarme do sonho no sono.
Pensei em nós. Nos nós que estrangulam.
 
Desatei a sorrir... Não estamos atados. Desamarramos nossos egos.
E isto me deixa muito feliz... Pois conectamos. E fulguramos. Neste amor que não é. Está.
 
E permitimos o permear do luzir, resplandecendo e refletindo o melhor de quem somos.
Espelhos que brilham o reflexo das almas irmãs...
Este amor faz-nos acreditar que sim. Podemos desvendar os segredos deste oceano cósmico. Em nós mesmos, nascendo nosso dia no mundo. Iremos trazer menos sofrimento, e mais alegria a nós mesmos. A todas estrelas que estão a nossa volta. Assim concretizaremos um intuito divino. 
 
Pois que o meu brilho inflama o teu...
O teu o meu...
O nosso o deles...
Nós, como estrelas, reverberamos o verbo...
Nossas ações; emanações... Serão o destino da vida...
O mantra entoava no sonho:
Amem...Amem...Amem; Amém...
 
Hoje este verbo veio a mim através de uma cantiga antiga. Acalantada em meu sono. Em um sonho que me acordou o presente. E trouxe do inconsciente, consciência de que estou a espera da luz...
Sou semente que deve ser cultivada em terreno fértil. Para assim, frutificar o bem que iluminará o bom. Capacitando a minha insignificância a enxergar o belo e o verdadeiro... 
 
Exercendo a vontade do amor no mundo, transcenderei...
 
O futuro da nossa espécie depende de um passado especial que ainda não vivenciamos...
Quando vivermos o presente que nos foi doado pelo Universo, teremos um futuro...
 
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Um som estridente em meus ouvidos!
Foi alarmante o som do despertador. Assustei com o barulho. A luz que atravessava pela fresta dos olhos apagou todas as cores. Cegou-me.
Gostaria de ficar um pouco mais na cama. Havia um sonho interessante. Uma fantasia louca em que acordava sonhando. Naveguei o céu da Terra. E na Terra o meu céu. Foi um devaneio lúcido. Lembro-me agora.
 
Um nítido despertar que me acordou para este sonho...
E o sonho se realizou dentro do sonho quando te vi...
 
Pena não poder ficar. Pelo jeito, choveu noite adentro e ainda garoa. Escuto o barulho da chuva na janela. O quarto já está tomado pelos sons da rua. O dia absoluto em verdade raia cinza. Carros transitando, pessoas falando.
Há compromissos me chamando.
Pior que hoje é domingo. Poderia contemplar mais um pouco aqui. Mas tenho que lavar o carro. Ir ao mercado. Dar banho no cachorro.
 
O dia a dia rompeu como de costume.
 
Meu domingo vestido de uniforme. Pronto para trabalhar. Como se fosse plena segunda-feira. A agenda plena de futuro.
E com o futuro comprometido...
Espreguiço. Levanto. Ainda não acordei direito, mesmo assim enfrento este dia.
Corro até o banheiro. Minha bexiga esta alagada.
Encarando a miragem invertida no espelho do banheiro, escuto um murmúrio. 
 
Foi o sonho dentro do sonho que me fez acordar...
Um acalanto entoado em um domingo qualquer que ainda está por despertar...
Estava quente do sol. Estava quente de ti. Muito feliz por ter atravessado a borra na porcelana...
 
Fecho então as portas do sonho...
Comporto-me...
Estou comportado.
Enclausurado nas segundas ausentes da fé dos domingos...
 
 
Ponto Azul - Parte 3 de 3 - Pálido Ponto Azul -
 
Maurício de Carvalho Gervazoni
 
Pálido Ponto Azul por Carl Sagan:

 

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