Onde limite é a virgula e não o ponto.


Ponto Azul - PARTE 2 - (A Borra) -

19/06/2014 12:39

A Borra

 

Fui até a cozinha preparar um café. A chaleira assoviava aguda enquanto pensava em nós. Nunca tomamos café juntos. Adoraria. Seria prazeroso contemplar o meu aroma de café forte conquistar teu olfato. E o sabor intenso de um negro universo suscitar-te o paladar...

 

Quantas ideias fantásticas estão a nossa espera em uma xicara de café...

Quantos mistérios se escondem em seu negrume...

 

Poderíamos ver até nosso futuro na borra. Atravessando as paredes de porcelana no fundo da xícara. Pois a imagem que se forma, se transforma. É porta. Que se abre com o emprego da imaginação. 

 

Desvendar estes símbolos um dia serão exercícios para apensar nossa percepção...

 

Estava sozinho... Não sei, talvez não...

Ri de mim por não me sentir só sonhando...

 

Sentado ali, ao lado de mim mesmo. Fui abduzido por uma espaçonave de ideias.

A nave que embarquei, singrava ideais... E velejei neles até a porta de casa a procura do meu banho de luz. Do nosso alvorecer. Fui investido por aquele copo de café.

Na minha mão, os olhos atentos, os pés descalços. Absorto no aroma negro. No anoitecido gosto. Ansiava pela luz das manhãs.

Escancarei o adito da casa. Desejava enxergar todos os passos das chegadas.

 

Tu, não davas sinal.

Já o dia, vinha a remanso...

 

O sol despontou lá atrás das nuvens. O horizonte marcado em laranja intenso. Um alaranjado calcado, que contornava alegremente as nuvens. Vitalidade que permeava o dia em mim. E raiava vagarosamente o coração, irradiando a manhã. E te anunciava também. Cada vez mais forte...

 

Velejo a nave... E vejo...

 

Entre meditações anuviadas, uma intensa luz que rasga. Urgindo em ondas. Que trespassam ideias de como será ver-te de novo. Minha noiva.

 

Ondas, cujo intervalo de pulso escotilhas fechadas não são capazes de enxergar...

Ondas, sensíveis somente a frequência de almas intensas... 

 

Vejo a nave... E velejo...

 

Uma real imagem de ti...

Onde outros só veem tua miragem...

 

Tu amanheceste em mim então. Em sincronia perfeita com a aurora.

Esta visão foi uma radiação ultraviolenta. Balroando o espírito. Numa cadência que descompassou os instrumentos do corpo.

Minha respiração suspirada assoviou aguda na boca. Enquanto o coração tamborilava grave angústia...

 

O que será esta luz? Esta radiação... Que agora está... E que emana; reluz?

Será o amor?

A tua manhã surgindo de mãos dadas a manhã?

 

Minha mente fantasia...

 

 - Um coral no céu canta a revisão de ti... O teu pai é o Sol e te traz pelas mãos. Tu estás  vestida de branca luz. Caminham pelo meu templo a compassos sinfônicos. Sei que ele te entregará a mim. Ambos sorriem o alvorecer.-

 

Serão anjos sussurrando o sonho que tive? Quando te vi?

Quero ver melhor este domingo nascer em mim. Eu te quero mais de perto. Bem de perto mesmo. Quero sentir o sabor de quem és...

Navego, surfo as ondas do amor em pés descalços. No cimento frio do quintal.

Com o rabicho dos olhos, procuro qualquer pedaço de grama. Preciso poucos gramas de verde maciez para acomodá-los. Poucos gramas da verdade, para elucidar todas as mentiras.

Olho em volta e só vejo casas e prédios. Ergo a cabeça procurando nos céus o conforto do infinito para meus pensamentos...

Observo então o silencioso nascer da claridade. Todos os astros atuando. Voo minha nave, flutuando entre eles...

 

A Lua, o Fígado, o Sol, o Rim, Vênus, o Coração, Marte, o Pulmão, Júpiter, a Alma, Eu... As estrelas...

A tua imagem irradiada me abraçando...

 

A escuridão começava a se dissipar. Uma exuberante paleta de cores matizava os céus. Salmão, azuis e rosas esquiços. Branco celeste e outras cores indizíveis.

Fui tu em mim uma aurora d´alma...

As imagens se confundiam e se transformavam. Nuvens multicores cingiam nosso abraço. Diluíamo-nos no firmamento.

Fechei então os olhos, anoiteci a manhã. O dia. O aroma inefável do café penetrou-me. Sua escuridão. O crepúsculo de todas as cores em mim. O imenso céu estava contido em uma xícara de trevas.

 

Fiz isto...

 

Apaguei a luz do céus para poder procurar melhor o nosso brilho. As nossas estrelas. Pois a beleza esfuziante do amanhecer ofuscou nossas pequenas luzes...

No fundo da xícara, a borra. Uma imagem fantástica decolou estatísticas na imaginação...

Astrônomos concordam que existam cerca de 100 bilhões de galáxias no universo. Cada uma com cerca de 100 bilhões de estrelas. Só a nossa via láctea contém pelo menos 200 bilhões.

A Terra é um planeta entre trilhões no sistema solar...

Perguntei-me:

Quantos planetas deverão existir então em todo universo? Em quantos existirão vida?

Com certeza em milhares...  

 

E eu nasci aqui...

E tu nasceste ao meu lado, aqui...

Estamos ambos no aqui, agora...

Humanos resultantes de que? Evolução?

Para que? Para onde?

Será um acaso somente esse nosso caso?

 

Em tantos universos possíveis, em tantos planetas em que poderíamos ter sido outros. Em diferentes tempos. Nas incomensuráveis espécies que poderíamos ter habitado. Estamos aqui, tu e eu. Pequeninos grãos germinando em carne e osso. Neste bairro, continente, planeta... Nesta via, que escolhemos chamar de láctea. Onde nutrimo-nos do leite da fé...

 

Humanos, amando...

A mando de quem?

Para quem estaríamos nós a mando?

 

Humanamente impossível! Acreditar que fatores diversos nos acarretaram. Acreditar no Caos. Na aleatoriedade das ações. Nas coincidências reincidentes. É improvável o fato...

Existimos, encontramo-nos e sentimo-nos, tu e eu, num mesmo tempo verbal... Nesta locução que é um verdadeiro milagre...

 
 

 

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