Onde limite é a virgula e não o ponto.


Ponto Azul - PARTE 1- (Azul do Sonho Dentro do Sonho Azul)

19/06/2014 11:21

Azul do sonho dentro do sonho azul

 

 

Não foi o despertador. Foi o alarme de algum sonho incompreensível que me acordou. Gostaria de lembrar o que se tratava tal devaneio... Tal a rapidez com que meus sentidos aguçaram. Mas não consigo. Foi ele, um sonho cego e surdo. Mas não mudo, pois sinto o vestígio de uma música. Como se uma oração amável houvesse embalado o meu sono. Sinto ainda, uma sensação de colo de mãe.  Dela me sussurrando uma antiga cantiga de ninar. Daquela que se murmura com a boca fechada. Acalento sem letra. Verbo apaziguador. Um canto difônico; mantra.  Que só percebi porque havia um silêncio contagiante no quarto.

 

E a amplitude daquele vazio ocupou espaços em mim...

Tornando possível a percepção do som no sonho...

Desadormecendo o espírito...

 

E foi assim que acordei em plena segunda-feira. Como se fosse domingo. Acalantado. Contagiado e acordado por um sonho que nem sei...

O dia a dia, neste dia, não rompeu como de costume.

Pois geralmente amanheço em tempo futuro. Com o alarmante sinal de um relógio me empurrando. Colocando-me nos movimentos involuntários de um ponteiro...

Ir ao banheiro, lavar o rosto, fazer a barba...

 

Assim indo...

Vou sumindo...

 

Esvaindo-me no tique-taque o dia todo. Meu corpo levanta, deixando a alma na cama. E a “automática mente” corre a preocupar-se com as demandas da semana que inicia. Antes mesmo de começar o dia. O corpo começa a trabalhar, sem dar tempo para eu chegar...

 

E tem dia a dia, que a alma não acorda por dias...

E permaneço segunda-feira por semanas...

 

Mas não hoje. Estou presente. Presentemente. A alma despertou pouco antes que o corpo. Acariciando a matéria com alguma música insólita. Evocada de algum sonho esquecido. Surdo, cego e cantor.

 

Indo assim...

Voo surgindo...

 

Neste dia, não tenho vontade alguma de praticar qualquer rotina que me sequestre o tempo. Decidi que não irei laborar...

Elaborarei meu dia. Vou fazer com que ele seja produtivo. Longe de todos. O mais perto de mim quanto impossível. Irei contestar todas as verdades que me disseram. Principalmente aquelas em que acreditei. E que já não me recordo.

 

Irei mentir sobre o sonho que tive e não vi...

Só, eu ouvi...

Hoje só hoje, prefiro mentiras relativas a verdades absolutas...

Proponho absurdos que façam sentido aos fatos sem sentimento...

 

Deve ter chovido à noite. Bastante. Sinto o aroma. A essência da terra molhada. Deitado, escuto gotas crepitarem nas janelas. O som seco das gotas molhadas. Garoa fina. O resquício de um belo pé-d´água.

Por algum motivo, meus olhos estão alagados.

 

Não sei... Teria sido a chuva ou o sonho?

 

Espreguicei a enxurrada apertando as pálpebras e esticando os braços. Os punhos tesos.  Fiquei ali parado por alguns minutos. Imóvel. Em mim. Sem pensar em absolutamente nada. Navegando no vácuo. Estou a deriva no dia corrente. Como um satélite viajando a ermo, perdido em alguma galáxia distante.  A espera de um planeta para orbitar. Um pensamento qualquer que fosse...

Repentinamente notei uma vontade lancinante em me banhar.  Respirar este domingo.

 

Matutar sob uma utopia...

Navegar sobre a vida...

Não a minha; mas a presença...

O presente que é...

 

Desatei então as pálpebras em um sorriso tímido. Desempacotei as mãos. O presente ali estava...

Na mesma hora, recordei de ti, pois elas abertas sempre estão à procura das tuas. Tua lembrança reavivou. Levantei-me. Corpo e alma. Uníssonos sonhando. Caminhei até a sacada.

 

Saquei a ideia...

 

O banho que aspirava era o da luz da manhã. Do dia...

Precisava aquecer minha vontade no amanhecer. E divagar procurando respostas a quaisquer questões que surgissem.

Meu tesouro estava enterrado profundo na mente. Profundamente. Para encontra-lo seria preciso agir como os grandes exploradores do passado realizaram um dia.

Navegando com poucas referências. Usando a bússola da persistência. É uma certeza insana esta que acomete aos que sabem.

 

Navegar é preciso...

Precioso.

 

Para os loucos, chegar é uma questão de tempo. O destino, muitas vezes muda. Mas o sonho não cala. Pavimenta o caminho do errante.

Como um Vasco da Gama a encontrar o futuro no mar. Vejo eu a sorte no além-mar das galáxias. Eu sei, minha bússola pressentirá a direção a seguir.

 

E será ótimo divagar sobre o infinito universo...

Navegar sobre o nada e suas ausências em nossa procura...

Estrelas no céu, que brilham lado a lado na terra...

 

Devo atravessar o olhar para cima? Para os lados? Para mim mesmo?

Cruzar este céu, fora ou dentro? Meditar ou explorar?

Não importa.

 

Arquejo ver-te brilhares ao lado da minha...

Reconhecer em infinitas as nossas...

 

Não fiz mais perguntas. Abri meu olhar acima e ao centro. E decidi procurar-nos indeterminadamente em ambos os céus desta manhã que inicia. Aqui dentro e na Terra.

E verei amanhecer o teu dia, o nosso dia em mim e no espaço azul...

 

Porém, o dia ainda não havia...

No dia, ainda não a via... 

 

 
 
Ponto Azul - Parte 1 de 3 - Azul do Sonho Dentro do Sonho Azul -
 
Maurício de Carvalho Gervazoni
Leia Mais: https://www.sem-fronteiras.net/news/o-ultimo-conto-que-canto/

—————

Voltar