Onde limite é a virgula e não o ponto.
Fome do cão
31/05/2013 20:22
Ao meio dia despertou o desejo
O estômago acordou, roncou
Então, partiu-se
De encontro ao vício
Cirurgia recém-realizada
O corpo excessivo renega o estômago diminuto
Estranha sensação de perda
Que busca saciar, minuto a minuto
O vácuo angustiado de entranhas vazias
A ausência do alimento úlcera o sistema nervoso
Ácido que corrói lentamente...
As vísceras da alma expostas
Confirmando a doença
A frágilidade da vontade
A incapacidade em ser
Proposta quebrada, a mentira revelada
O que o bisturi ceifou, a mente resiste
Coração corado, vermelho, vergonha
Água enche-lhe a boca
Só de imaginar...
Suculento bife é a foto do panfleto
Inserida no cerne do pensamento
Memória plantada
Mídia perversa
A praça
Antes fragrância de flores e frutos
Agora de alimentação
Cochos de ração rápida e volumosa
A carne moída e putrefata
Entre pães que o diabo amassou
Aroma de gordura, ranço e sal
Meio dia e meio
Desperta a paixão
Fome do cão!
"Não posso! Não, não posso!"
A comida o abocanha
"Prometi a mim mesmo! Não posso!"
Precisa desfazer-se do peso
Porém, desfaz-se a resistência
Sobrepeso, o contra peso da falta
Sentimento que exaure o ânimo e abre espaço à insatisfação
Abocanha comida
A gordura deixa flácido o querer
Silencia, mas não sacia
Óleo que escorre a boca entra nas artérias
Tamanho desespero,
Não consegue engolir
O pequeno estômago não suporta a perversão
Usa então o balde de água negra para deglutir
Um espumante caldo de secreta fórmula funesta
Encantamento capaz de dissolver o mais forte dos espíritos
Arrasta a ração pelo encanamento
Rápida comida que rápida mente,
Rapta a qualidade do alimento...
"Não suporto..."
"Mais"
Então se apressa
Vai veloz porque a vida esvai com vento
Corre à latrina mais próxima
Ruminando,
Nauseando,
Culpado,
Indigesto
Alegre-se menino
É só, sua mente
Somente incapacidade em viver doente
Vai realizar o maior projeto, o seu
Vomita pela boca e nariz
Coloca para fora o que vem de dentro
Deixa sair estes jarros fétidos de lama ácida
Isto não é mais seu
Suja sim o chão do banheiro
Limpa o intestino
Lava a alma
É seu destino desintoxicar-se
Elimina de uma vez aquilo que foi
Finalmente mostra ao mundo sua real face
A face viva que sabe existir
Assim, isto
Enxerga a si mesmo agora!
E dê um basta ao glutão de si!
A febre passará
Curar-se-á da culpa
Renovará o voto
E amanhã encontrará o caminho
A salvação é sua
Sempre foi, é e será Só sua!
Amanhã sim
É novo o dia, até chegar o meio dia
Texto: Maurício Gervazoni
Imagem: Maurício Gervazoni
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